Conclusão:

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10 anos de direito à água,

10 lições que aprendemos

  1. O acesso universal à água e ao saneamento na Europa exige um financiamento público adequado.

A revisão das directivas relativas à água potável e ao tratamento de águas residuais urbanas constituem um passo na direcção certa. No entanto, para alcançar o acesso universal à água, são necessários grandes investimentos para ligar os 31 milhões de pessoas na Europa que ainda não têm acesso a água da torneira limpa em casa. A este respeito, a Europa pode aprender com a Índia, onde, em apenas quatro anos e em plena pandemia (entre 2019 e 2023), 96 milhões de agregados familiares (muitos dos quais albergam várias pessoas) foram ligados à água da torneira nas zonas rurais da Índia. Este passo impressionante no sentido de tornar a água um direito humano na realidade e não apenas nas palavras só foi possível porque foi financiado publicamente e gerido localmente pelos próprios municípios, sem a obstrução do sector privado com fins lucrativos.

  1. Os esgotos estão a poluir os rios e os mares da Europa. É necessário financiamento público para evitar danos ambientais ainda maiores.

Mais de 30 anos após a sua criação, a directiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas já devia ter sido revista. O facto de a UE estar a procurar uma maior responsabilização dos poluidores é positivo. Felizmente, o tratamento de águas residuais na Europa é, na sua maioria, propriedade pública. Mas nos casos em que não o é, as consequências têm sido devastadoras para o ambiente. Isto é claramente demonstrado no Reino Unido, onde a privatização da água conduziu a um sistema em que as águas residuais brutas são lançadas no mar e nos rios todos os dias – criando grandes danos ambientais e uma ameaça crescente para a saúde pública.

  1. As melhores privatizações são aquelas que são evitadas.

Em toda a Europa, os movimentos sociais e laborais têm lutado com êxito contra a privatização. Tendo aprendido com as lições internacionais, os cidadãos têm estado muito conscientes dos riscos da privatização (incluindo o aumento dos preços da água e, consequentemente, o aumento da pobreza, a diminuição do investimento e os danos ambientais, enquanto os accionistas continuam a beneficiar) e mobilizaram-se em toda a Europa para a impedir. Encontram-se exemplos locais em quase todos os países europeus. Contra a pressão da Troika, as pessoas organizaram-se para defender a água pública em Portugal, na Grécia, em Itália e na Irlanda. Os exemplos de Atenas e Salónica demonstram os meios inovadores dos movimentos laborais e sociais para lutar com êxito contra a privatização da água, uma e outra vez.

  1. A remunicipalização torna-se mais difícil quando as empresas privadas criaram laços fortes com a comunidade.

A privatização com muitos anos pode ser mais difícil de inverter do que quando a participação do sector privado nos serviços de água é relativamente recente. Por exemplo, em Marselha, as empresas de água conseguiram integrar-se no tecido social (por exemplo, estabelecendo fortes laços com os políticos locais e patrocinando eventos comunitários e desportivos), pelo que a luta pela propriedade pública pode não ser óbvia para a população.

  1. Mas a privatização da água pode ser invertida, mesmo em locais onde isso não parece possível.

A França, anfitriã de uma das maiores multinacionais de água do mundo (Veolia) e, em muitos aspectos, o coração da privatização europeia da água, tornou-se agora a campeã da remunicipalização da água. O caso de Paris em particular, mas também a remunicipalização da água noutras cidades francesas, oferece um vislumbre do potencial transformador da remunicipalização – um meio não só de conseguir preços mais baixos, mas também estruturas de governação mais participativas e democráticas. Normalmente, é mais difícil remunicipalizar a meio do contrato, pelo que a grande maioria das remunicipalizações é efectuada quando os contratos expiram. Contudo, o exemplo de Berlim e os casos de remunicipalização em Portugal mostram que é possível romper contratos e que pode ser financeiramente vantajoso rescindi-los antecipadamente. Mesmo que haja custos de compensação, os custos sociais e económicos da continuação da privatização são muito maiores.

  1. Existe o perigo de os serviços públicos se comportarem como empresas privadas no estrangeiro.

A Alemanha tem mantido a água na posse do sector público e, nos casos em que experimentou a privatização, os movimentos sociais e laborais, juntamente com os políticos locais conseguiram a remunicipalização. No entanto, alguns municípios na Alemanha, recorrendo a lacunas legais, desenvolvem actividades lucrativas no sector da água no estrangeiro, apesar de estarem efectivamente proibidos por lei de o fazer.

  1. As dinâmicas neocoloniais facilitam a privatização da água no estrangeiro.

Durante décadas, a ideia neoliberal de “falhanço do Estado” no Sul Global facilitou o envolvimento do sector privado através de ajuda, empréstimos e comércio. Por exemplo, as agências de ajuda europeias são encorajadas a estabelecer parcerias com empresas privadas, facilitando assim o acesso das empresas privadas. Além disso, as Parcerias de Operadores de Água (WOPs), parcerias entre pares no sector da água e do saneamento, sem fins lucrativos, são, por vezes, utilizadas para facilitar o acesso do sector privado às empresas em países do Sul Global. No entanto, o exemplo da Índia mostra que os países do Sul Global podem fazer rápidos progressos no sentido de alcançar o acesso universal à água da torneira evitando precisamente tanto o envolvimento dos doadores como a privatização, uma vez que os dois estão frequentemente associados.

  1. A apropriação da água assume muitas formas. A luta pela água está a está a entrar em novos e mais intensos terrenos.

A apropriação de água, a expropriação da água pelo capital em detrimento das comunidades locais, intensificar-se-á quanto mais escassa for a água. Trata-se de um círculo vicioso de acumulação de capital. Quanto menos água houver, mais dinheiro se pode ganhar com ela.

Com o aumento das secas e da escassez de água em muitas zonas europeias, as empresas privadas tentarão obter uma parte do bolo (ou da água) sempre que puderem. Seja através de grandes PPP para instalações de dessalinização de água, grandes reservatórios, centrais hidroeléctricas ou rios virgens. Este é um espaço no qual os sindicatos e os movimentos sociais precisam de estar cada vez mais atentos.

  1. A água engarrafada é a mercantilização da água numa forma exacerbada.

A relação é paradoxal: quanto menos o público confia na água da torneira, nomeadamente devido a privatizações falhadas que causaram riscos para a saúde pública, mais dinheiro pode ser feito com o engarrafamento da água. Nos Estados Unidos, os escândalos ligados à privatização da água conduziram a um aumento do consumo de água engarrafada. A água engarrafada está também a aumentar na Europa. A água engarrafada não é apenas uma forma exacerbada de mercantilização da água, mas é também muito mais prejudicial para o ambiente do que beber água da torneira: os resíduos de plástico poluem o mar ou, quando incinerados, o ar; é necessária muita energia para produzir as garrafas; e uns impressionantes 8% de todo o petróleo é utilizado para o plástico. Existe, portanto, uma ligação direta entre a água engarrafada e o extractivismo da água e do petróleo.

  1. A Conferência Mundial da ONU sobre a água, realizada em 2023, é uma plataforma para uma maior comercialização da água.

Quando a ONU reconheceu oficialmente a água como um direito humano em 2010, esse facto foi celebrado como uma grande vitória para os defensores da justiça no domínio da água. No entanto, apesar das perspectivas promissoras, a Conferência Global da ONU deste ano sobre a água provou ser mais uma plataforma para a mercantilização da água. Recorrendo a uma linguagem nova e muitas vezes até progressista, actores influentes utilizaram esta conferência para apresentar uma abordagem fundamentalmente orientada para o mercado para enfrentar os desafios globais da água.