Deixem a privatização da água para trás, não as pessoas!

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Por ocasião da Conferência das Organização das Nações Unidas dedicada à Água que terá lugar nos próximos dias 22-24 de março de 2023, os Movimentos Globais de Justiça pela Água uniram-se para transmitir e amplificar as vozes de comunidades e minorias espoliadas em todo o mundo.

Assim, foi elaborado o Manifesto em Defesa da Água, solicitando à ONU e aos decisores que abordem questões fundamentais sobre a água no desenvolvimento de políticas nos níveis mundial, regional, nacional e local.

A proposta é entregar o Manifesto aos representantes da ONU. O documento foi elaborado pelas organizações que integram o People’s Water Fórum (Fórum dos Povos pela Água).

Para conhecer mais e assinar o Manifesto: https://thepeopleswaterforum.org/

Manifesto em defesa da água pública
As organizações, povos indígenas, movimentos sociais e defensores da água abaixo assinados dirigem-se às Nações Unidas para, no âmbito da Conferência da Água da ONU 2023, amplificar vozes em geral não ouvidas, insistindo para que as seguintes questões fundamentais sejam colocadas no centro de políticas relacionadas à água nos níveis global, regional, nacional e subnacional:

  1. Água e saneamento são direitos humanos fundamentais. A água é um bem comum, e não uma mercadoria, que deve ser acessível a todos, sem discriminação, sob controle público. Os usos pessoais e domésticos da água, incluindo a higiene, devem ter prioridade sobre os usos produtivos, como o agronegócio e a indústria.
  2. Políticas relacionadas à água devem priorizar a gestão sustentável dos recursos hídricos, no âmbito do direito humano a um ambiente saudável e como chave para enfrentar as crises em curso de poluição, desmatamento, desertificação, perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Os Estados devem assegurar que o agronegócio e a indústria sejam responsáveis pelo uso que fazem dos recursos naturais, incluindo a água, e pelos respectivos impactos, com base na legislação, regulamentação e fiscalização, e não apenas em medidas pontuais ou voluntárias.
  3. Os Povos Indígenas possuem direitos distintos e inerentes, bem como sistemas próprios de conhecimento e de relacionamento com a água de maneira harmoniosa; os Estados devem, portanto, reconhecer o status dos Povos Indígenas de sujeitos coletivos de direitos, respeitar seus direitos territoriais, à autodeterminação e de serem consultados para obtenção de consentimento livre, prévio e informado sobre qualquer projeto que os afete, bem como garantir que a gestão de seus meios de subsistência, incluindo a água, seja realizada de acordo com seus próprios padrões, em conformidade com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
  4. Os Estados devem dar o devido reconhecimento e apoio às práticas e organizações comunitárias de gestão da água e do saneamento promovidas, entre outras, por comunidades camponesas e pelos povos indígenas, desenvolvendo parcerias público-comunitárias que respeitem seus conhecimentos e tradições.
  5. Na maioria dos países, populações rurais e pessoas que vivem em assentamentos urbanos informais são as mais discriminadas em termos de acesso a serviços de água e saneamento. É obrigação dos Estados assegurar a mais alta prioridade no acesso a essas populações. A cooperação internacional deve priorizar esses grupos em suas ações.
  6. A participação ativa, livre e significativa daqueles que são “titulares de direitos”, em todos os aspectos de políticas relacionadas à água, deve ser reconhecida, apoiada e garantida; ênfase deve ser dada à participação igualitária das mulheres, superando a marginalização à que são usualmente submetidas, apesar de assumirem a maior carga de responsabilidade e de trabalho de abastecimento domiciliar / familiar de água. . Tal participação deve ter a capacidade de influenciar a tomada de decisões, superando falsos modelos participativos, que apenas legitimam decisões tomadas pelas elites das sociedades.
  7. Os serviços de água e saneamento devem ser sempre orientados pelos direitos humanos, não deixando ninguém sem ser atendido, incluindo aqueles que, por viverem em situações de vulnerabilidade, marginalização ou pobreza, têm dificuldades de pagamento. A privatização, mercantilização ou financeirização dos serviços de água e saneamento constituem risco para o pleno gozo dos direitos humanos, pelo que não devem ser considerados como políticas a nível global, nacional ou local, bem como na cooperação internacional; ao contrário, se deve promover a gestão pública dos serviços, por meio de parcerias público-públicas e público-comunitárias.
  8. Os Estados devem proteger e garantir os direitos dos trabalhadores, bem como condições de trabalho dignas, justas e equitativas. O acesso a serviços de saneamento fora do domicílio deve urgentemente receber elevado nível de prioridade nas políticas públicas, incluindo o acesso em espaços públicos, locais de trabalho, centros de detenção, escolas e instalações de saúde, mercados e feiras livres.
  9. Resolver a crise hídrica requer a superação da atual fragilidade do quadro multilateral da ONU, avançando para uma governança que possa enfrentar os desafios apresentados acima, estabelecendo um mecanismo intergovernamental de reuniões regulares sobre água e saneamento e mecanismos concretos de monitoramento dos compromissos assumidos , nos quais os sujeitos e os titulares de direitos humanos participem de forma plena, efetiva e significativamente.
    Como sujeitos e detentores de direitos humanos e defensores da água, muitas vezes criminalizados e perseguidos por defender os direitos humanos, exigimos que a ONU priorize o diálogo e a colaboração com as comunidades mais vulneráveis na implementação do ODS 6, incluídos os Povos Indígenas, as comunidades do campo, os que vivem em assentamentos informais, populações discriminadas em razão de género, descendência e classe, e todos aqueles que ainda não têm acesso garantido a água potável e saneamento.