Luísa Tovar
Jornal Avante!
Os serviços públicos de monitorização e gestão da água foram reduzidos ao mínimo. Esta é uma «seca política»
Falta água no Alentejo e no Algarve.
Estas regiões têm menos precipitação e é muito mais variável que noutras zonas do País; sendo mais quentes, são mais longos os períodos em que a evaporação potencial supera a precipitação e, portanto, o pouco que chove nesses períodos evapora-se logo sem repor as reservas. Além disso, como em todo o Interior de Portugal, o escoamento depende muito das afluências de Espanha que, de facto, pouco mais são que os caudais de cheias excepcionais que os espanhóis não conseguem segurar.
Por isso era necessário o Alqueva. Após a sua entrada em funcionamento, o sul do País dispõe de capacidade de armazenamento superficial e subterrâneo muito excepcional em Portugal, que deveria permitir atravessar sem problemas períodos relativamente longos de seca meteorológica.
Os reservatórios são essenciais para redistribuir a água dos períodos húmidos pelos períodos secos, colmatar as «faltas de água» decorrentes das variações sazonais ou de secas meteorológicas. Mas não a fabricam. As extracções têm de ser significativamente inferiores à recarga natural anual mediana (que é significativamente inferior à média).
Mas as extracções de água no Alentejo e no Algarve têm vindo a crescer brutalmente sobretudo nos últimos 15 anos, sem olhar a esse limite.
Em 2022 a EDIA forneceu 495 594 795 m3 de água para rega e mais 9 691 651 m3 a empresas do Grupo Águas de Portugali.
A água fornecida pelo Alqueva para rega aumentou 33% entre 2021 e 2022, embora a área regada só tenha crescido 4% nesse ano. Considerando só os regantes directos, que usam 76 % da água total fornecida, entre 2018 e 2022 aumentaram o consumo em 82%. Desde 2016 verifica-se a concentração fundiária, tendo dobrado a área inscrita e diminuído o número de beneficiários. Em 2022, 75,5% da área beneficiada foram propriedades com mais de 50 hectares, predominando as monoculturas intensivas de olival e frutos secos regadosii.
Proliferam as culturas intensivas mais exigentes em água. São classificados como Projectos de Interesse Nacional (PIN) extensos campos de golfe. Patrocina-se à Iberdrola uma central produtora de amoníaco e hidrogénio com água de Alqueva.
Os aquíferos estão em níveis baixíssimos. As afluências ao Alqueva diminuem, sobretudo as provenientes de Espanha. A EDIA afirma que atingiu o limite de fornecimento com os clientes actuais.
O déficit tornou-se estrutural
Este é o resultado previsto da política ultra-liberal de mercantilização e venda da água para cuja implementação (e explicitação) foram um marco relevante as Leis 54/2005 e 58/2005, propostas e aprovadas em uníssono pelo PS e todos os partidos à sua direita – que preconizam a privatização do domínio público hídrico e a substituição da administração pública da água pela instalação e nutrição de monopólios, explorados por muito grandes entidades de direito privado e tendencialmente de capital privado.
A barragem do Alqueva fechou as comportas em 2002, mas o contrato de concessão à EDIA aguardou a entrada em vigor dessas leis.
A relação com Espanha tem-se caracterizado não só em convénios prejudiciais para Portugal, como pelo desleixo na monitorização dos caudais entrados e não exigência de cumprimento pela parte espanhola.
O que ainda não entrou no mercado – como os aquíferos subterrâneos – é desleixado deliberadamente até à exaustão. A intervenção do Estado não é nula, mas é arbitrária e opaca, decidida aos mais altos níveis de poder sem a instrução técnica necessária, privilegiando os negócios privados mais rentáveis a curto prazo sobre as utilizações mais necessárias e o interesse público; impondo preços e taxas que inviabilizam usos socialmente muito relevantes.
Os serviços de administração pública, monitorização e gestão da água desapareceram ou foram reduzidos ao mínimo. O INAG, instituição centenária de gestão e planeamento dos recursos hídricos, foi extinto em 2013 e o edifício foi vendido.
O déficit tornou-se estrutural.
Esta é uma «seca política».
É preciso hierarquização de utilizações, licenciamento, fiscalização e monitorização da água. Culturas adequadas ao clima e à ocorrência natural da água. Água gratuita ou muito barata, mas racionada de acordo com a disponibilidade, satisfazendo as necessidades e distribuída com equidade.
Não interessa diabolizar tipologias de uso, mas exigir outra política.
Por exemplo, que o Estado cumpra as atribuições e deveres que lhe acomete a Constituição.