ÁGUA, UM BEM PÚBLICO AO SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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Declaração
22 Março, Dia Mundial da Água

No próximo dia 22 de Março, num momento particularmente preocupante para o bem estar dos Povos, assinala-se o DIA MUNDIAL DA ÁGUA.

A par dos múltiplos conflitos armados e guerras que emergem e proliferam por espaços territoriais de diferentes continentes, e que no presente ano ocorrem em 22 Países, nos quais se destacam a Ucrânia, Palestina, Somália, Síria, Mianmar, Iémen, Nigéria, Saara Ocidental, entre outros, a ONU dá conta que três em cada dez pessoas não têm acesso a água potável, mais de 2 mil milhões vivem em países com um elevado nível de “stress” hídrico e que cerca de 4 mil milhões de pessoas passam por uma grave escassez de água potável durante, pelo menos, um mês do ano. A pobreza e o desemprego atingem, segundo a ONU e a OIT, cerca de 1.000 milhões de pessoas em todo o mundo.

Em Portugal, confrontado com graves problemas económicos e sociais decorrentes dos impactos da doença da COVID-19, 20% da sua população (2 milhões de pessoas) está no limiar de pobreza e o desemprego e a subutilização do trabalho atingem mais de 615 mil trabalhadores (12% da população ativa), estando confrontado com mais um período de seca que segundo o IPMA, no “…final de fevereiro verificava um agravamento da situação de seca meteorológica em todo o território com um aumento da área nas classes de seca mais graves, severa e extrema. A 28 de fevereiro mais de 60% do território estava em seca extrema sendo de destacar os distritos de Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Santarém, Setúbal, Évora, Beja e Faro”.

O leve alívio da seca meteorológica no mês de Março, é francamente insuficiente para a reposição de reservas, antevendo-se uma Primavera e Verão muito críticos de “falta de água” para as necessidades e utilizações instaladas, com ênfase para a produção alimentar e de forragens, das quais o País é muito deficitário e é agravada pelo actual contexto internacional.

Os efeitos perversos socioeconómicos e ambientais da seca meteorológica, traduzem-se na “falta de água” para suprir necessidades e utilizações instaladas, incluindo a capacidade de depuração do meio hídrico e a utilização biológica do oxigénio dissolvido.

Há, portanto, a considerar, tendo em conta a variabilidade temporal e espacial da chuva, a gestão dos percursos e dos reservatórios (naturais e artificiais) e a gestão das utilizações da água.

A actual seca meteorológica não é um extremo anómalo no clima português. Tem ocorrido esporadicamente, mas é uma situação cada vez mais expectável.

O Estado tem o dever de gerir a água tendo em conta a variabilidade temporal e espacial da chuva, a gestão dos percursos e dos reservatórios (naturais e artificiais) e a gestão das utilizações da água. As Infra-estruturas de armazenamento, transporte e tratamento são importantes instrumentos de gestão da água, mas cujos efeitos – danos e benefícios – dependem de como são geridos, por quem e para quê.

Assim, a Associação Água Pública, ao assinalar este dia, sublinha a importância fundamental de uma gestão pública, exercida por serviços públicos e orientada no interesse público, da água, do Domínio Público Hídrico e das infraestruturas hidráulicas principais, nomeadamente as albufeiras de usos múltiplos.

Em Portugal, o Estado tem vindo a alijar, cada vez mais, todas as responsabilidades no conhecimento, planeamento e gestão integrada da água. A destruição, depauperamento e esvaziamento de competências e atribuições dos serviços públicos de administração e das instituições públicas de investigação relevantes, dos quadros e carreiras pertinentes, dos meios logísticos de intervenção, acentuou-se deliberadamente desde a década de 1990.

• A privatização da EDP (1997 a 2000) alienou 39 das 112 albufeiras públicas com capacidade de mais 1 hm3 (1 milhão de metros cúbicos); dessas, 13 das 20 albufeiras com mais de 100 hm3, destacando-se os 3 maiores reservatórios públicos à época – Castelo de Bode (1095 hm3), Cabril (720 hm3) e Alto Rabagão (569 hm3) – e ainda as albufeiras de fins múltiplos Aguieira (423m3) e Crestuma-Lever (110 hm3);

• A Lei Quadro da Água – Lei nº 58/2005 de 29 de Dezembro; e a Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos – Lei nº 54/2005 de 15 de Novembro, aprovadas na AR em 29/09/2005 introduziram alterações profundas ao regime do domínio público hídrico e de utilização da água, no sentido de mercantilização total da “água da natureza”, leitos, margens, praias e portos; instalaram, entre outras medidas, a concessão a privados da administração do domínio publico hídrico e o mercado de quotas de utilização e de poluição.

• Depois, ao abrigo dessas leis e diplomas, inúmeras “concessões” de diferentes âmbitos, transferiram para empresas de direito privado o domínio e a autoridade do Estado de administração dos recursos hídricos, bem como os instrumentos físicos para essa gestão, com ênfase para as grandes barragens. Muitas delas, empresas privadas. Outras, sociedades anónimas “ainda” de capitais públicos, mas de direito privado, que se regem “pelo mercado”, com ênfase para as Águas de Portugal SA a EDIA SA.

Actualmente o Estado não administra nem gere a água – nem quer fazê-lo.

Desmantelou a administração, que sempre foi muito insuficiente, mas era, nos anos 1980 e 1990, incomparavelmente mais capacitada e dotada que actualmente.

Alienou instrumentos físicos, técnicos e administrativos de gestão, e outorgou direitos legais, mas ilícitos, sobre a água pública.

Alienou o conhecimento, a monitorização e avaliação sistemática e integrada do uso, ocorrência e estado da água.
Abandonou a fiscalização e os meios de a exercer e substituiu o licenciamento com base técnica e científica por formalidades burocráticas, concessões aberrantes e contratos leoninos.

Por isso temos secas com efeitos cada vez mais graves e cheias catastróficas.

Já no que diz respeito aos serviços de abastecimento de água, o Governo teima em continuar a desenvolver a sua política de imposição das “Agregações” (com o objectivo último do desenvolvimento do “negócio da água”), dos sistemas de águas sob a gestão municipal, continuando a usar mecanismos de discriminação negativa, no acesso aos Fundos Comunitários, para as Câmaras Municipais que não abdiquem da gestão dos seus sistemas, em particular dos sistemas em “baixa”. Só assim se justificq que, a 31 de Dezembro de 2021, a execução do PO Sustentabilidade e Eficiência de Recursos, com 61%, tenha a mais baixa de taxa de execução de todo o PT2020.

A par desta realidade, a ERSAR publicou (4 de março de 2022), uma “recomendação tarifaria dos serviços das águas” que visa impor a uniformização dos tarifários sem atender à diversidade territorial (densidade populacional e indicadores do rendimento per capita); estabelecer tarifários que deverão incorporar todos os “gastos” associados aos serviços de água; pôr em causa a autonomia das entidades gestoras, em particular a autonomia política, administrativa e financeira dos municípios.

A Associação Água Pública, assinalando o DIA MUNDIAL DA ÁGUA, manifesta a defesa da gestão pública e por isso:

  • Insiste na revogação da legislação de mercantilização da água e “concessões” do Domínio Público Hídrico;
  • Exige que o Estado assuma as suas responsabilidades e deveres constitucionais no âmbito da água através de Serviços Públicos competentes, adequadamente dotados de conhecimento, quadros e meios para o seu exercício;
  • Exige que o Governo coloque o PRR e o quadro financeiro de Fundos Comunitários 2021-2027 ao serviço da gestão publica da água e nas prioridades de reabilitação investimento de qualificação e requalificação das redes de águas e saneamento, sem qualquer discriminação, defendendo igualmente que, no âmbito da grave crise económica e financeira que atinge os Povos em diferentes partes do Mundo, sejam reforçadas as medidas necessárias ao cumprimento do objectivo 6 do desenvolvimento sustentável tendo em vista “…alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e justos para todos, melhorar a qualidade da água e reduzir para metade a proporção de águas residuais não tratadas reduzindo substancialmente o número de pessoas afetadas pela escassez de água…”.

Lisboa, 22 de Março de 2022

Associação Água Pública